11 de agosto de 2011

Teoria da Dominância entre os cães. Mito?

Por Dr. Paulo Fernando Deslandes

Assistimos programas de TV, lemos livros e escutamos de alguns "profissionais" em comportamento canino a seguinte afirmação: Você precisa ser o líder do seu cão! Seu cão está te dominando! Até onde isso é verdade? Será que a comunidade canina vive dentro de regras sociais baseadas numa hierarquia simplesmente, onde um macho e uma fêmea exclusivamente lideram seus súditos? Estudos recentes tem demonstrado que não é bem assim. 

A teoria da dominância entre os cães surgiu há décadas atrás tendo como modelo um estudo feito através da observação de uma alcatéia de lobos em cativeiro. Em comportamento animal, a dominância é definida como uma relação entre os indivíduos, conquistada através da agressão, força e submissão, a fim de estabelecer prioridade de acesso a todos os recursos desejados (comida, o sexo oposto, pontos de descanso prediletos, etc.). Essa teoria, entre os lobos, já está sendo atualizada e estudos atuais já apontam que não é bem assim, há muito mais flexibilidade do que simplesmente regras rígidas.


Nova visão de uma sociedade de lobos

O biólogo David Mech, um dos maiores estudiosos de lobos do mundo, afirma que estudos anteriores que registram o sistema de hierarquia dentro de uma alcatéia foram baseados em comportamento de lobos em cativeiro. Ou seja, isso seria como estudar uma estrutura familiar humana dentro de um campo de refugiados. Em meados do início do século XXI, os lobos selvagens foram observados de maneira diferente, e possuem uma vida muito mais igualitária do que podemos imaginar. Mech e outros biólogos, através de técnicas atuais, puderam observar e estudar alcatéias na natureza durante algumas gerações, e tais observações e estudos resultaram na modificação da velha forma hierarquizada na sociedade lupina. Comportamentos de compartilhamento de liderança foram observados entre lobos e lobas alfas em situações como onde e o que caçar, para onde ir, etc. Douglas Smith, diretor do projeto de lobos do Parque Yellowstone nos EUA., fala que situações habituais em cativeiro do lobo alfa comendo primeiro e o beta depois nunca foi flagrado na natureza. Justamente ao contrário, as situações registradas já flagraram nove lobos comendo uma caça enquanto o macho alfa dormia por perto, e em outra situação uma fêmea alfa tendo que forçar caminho entre os filhotes para conseguir comer o animal abatido. Outro comportamento que se destaca é que quando uma alcatéia possui lobos que já não são completamente subordinados aos pais, eles podem entrar em conflito com a decisão do alfa, e assim, seguirem caminhos diferentes, sem serem punidos por isso. David Mech comenta que os lobos alfas e lobas alfas dominam os jovens lobos, assim como acontece na sociedade humana com nossos filhos pequenos, mas isso não é um relacionamento estático. Quando amadurecem tomam caminhos diferentes e quando procriam tornam-se automaticamente alfas de sua ninhada. Pesquisadores atuais já reconhecem que uma sociedade lupina tem uma dinâmica bastante complexa e mutante, e já descartam a teoria da dominância de um animal dominando todos seus subordinados pura e simplesmente.


Cães não são lobos

Com tantos cães por aí não seria mais sensato os estudarmos ao invés de nos basearmos em comportamentos de lobos? Lobos e cães possuem uma proximidade genética enorme, mas quanto a possuírem comportamentos iguais há controvérsias. Possuem histórias naturais diferentes, os lobos desenvolveram uma complexidade imensa de estratégias de caça para sobreviverem, já os cães enxergaram vantagem em viverem juntos às aldeias de nossos ancestrais comendo o lixo, os restos de alimentos, que desde tempos remotos sempre deixávamos para trás. Assim iniciou o processo de domesticação, e esse fato causou modificações que nos impedem de compará-los aos lobos principalmente em aspectos comportamentais.


“Liderar” com inteligência: é a solução!

 Liderança é a habilidade de motivar e influenciar os liderados, de forma ética e positiva, para que contribuam voluntariamente e com entusiasmo para alcançarem os objetivos de uma equipe. Definição perfeita do que é um treinamento positivo num relacionamento com o cão. Ensinar o animal a, por exemplo, sentar-se antes de se alimentar e ao pegar um brinquedo é uma forma pacífica do cão compreender que a disciplina e auto controle é possível através de um estímulo positivo na relação humano e canina.

A dominância existe entre os cães e é usada irresponsavelmente como explicação para todas coisas e principalmente para qualquer tipo de agressão, mas é uma característica raríssima, a agressão canina normalmente está associada a insegurança e medo. Portanto cuidado.

Quando o cão lhe desobedece não quer dizer que ele está querendo te dominar e assim conquistar uma posição superior, há uma necessidade maior de estudar o comportamento e chegar a conclusões mais detalhadas. Ou você acha que seu cão está querendo dominar seu lar e sua família? Ele depende de você para comer, beber água que são necessidades básicas e vitais para vida, difícil acreditar em dominância nesse caso. Portanto não ache que seu cãozinho é um lobinho e você terá que imitar o comportamento de lobo para dominá-los. Não há embasamento científico algum nessa afirmação. A ciência nos mostra atualmente que isso é um equívoco que pode nos levar à frustração e inclusive a riscos de acidentes por mordedura.


Dr. Paulo F. de O. Deslandes
Etologia Clínica - Veterinário especializado em Comportamento Canino e Felino

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2 comentários:

  1. Clarisse Matuck Santiago11 de agosto de 2011 às 22:43

    Adorei o artigo!!!!

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  2. Muito bom Paulo, parece que você leu meu pensamento, eu ia postar no meu blog um texto sobre isso também. Vou ter que mudar o post, mas valeu muito a pena.

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