12 de setembro de 2012

Luto nos Cães


Por Dr. Paulo F. de O. Deslandes

Luto é o profundo pesar causado pela morte de alguém, mas será que os cães possuem esse sentimento? Nunca saberemos realmente com 100% de certeza, já que infelizmente, ainda não temos a capacidade de ler a mente de um cão. Porém, temos indicações por analogia a nossos comportamentos, e por modificações comportamentais significativas, que esse sentimento é possível de ser vivenciado por nossos amigos caninos. Para tentarmos compreender um sentimento de perda, primeiramente, temos que entender como os cães formam laços sociais. 

UM POUCO DE TEORIA

Temos dois grupos de teorias interessantes na etologia que estudam a formação de laços sociais em cães: a elementar e a imediata. A elementar é baseada na evolução, e a explicação é que ambos, cães e humanos, somos animais sociais por um simples motivo: esta característica nos traz vantagens para a sobrevivência no mundo. Essa vantagem para nós, nos dias de hoje, pode ser traduzida na “reação explosiva” de endorfinas que nosso corpo libera durante a interação com os cães. Para nossos ancestrais, pode ter sido a cooperação durante a caça em que, posteriormente, foi se desenvolvendo um sentimento real de amizade entre as duas espécies. 
Já a imediata, é a recompensa que certo comportamento nos trás durante essa relação. E podemos enumerar especificamente três: o toque (lambidas, carinho, o simples estar encostado etc.), a celebração quando ambos se encontram, e finalmente o momento, que corresponde à relação positiva do dia a dia.
No entanto, independente da teoria usada para explicar como se formam os laços sociais em cães, é fato que cães e humanos compartilham esse desejo imediato por contato, e talvez essa seja uma das principais explicações que ajudaram a fortificar esse vínculo especificamente entre nossas espécies. Ambos somos beneficiados com essa troca de toques, portanto não é simplesmente uma relação de vantagens ligadas com a alimentação, como muitos ainda pensam. O filósofo grego, Platão, descreve a amizade entre humanos de uma forma que também traduz a relação entre nós e os amigos caninos: “A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro.” 

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DIANTE DA PERDA

Logicamente, se essa troca e a ligação que temos com cães é um fato, tanto de cão para cão como de humano para cão, a perda da outra parte significará uma mudança significativa na vida do outro. Concordam? Há evidências que nos levam a crer que ocorra um processo emocional bastante parecido com o dos humanos nos cães, porém, assim como dito antes, não há meios de verificar o estado emocional específico deles durante tais momentos. Quando há perda de um membro, humano ou não-humano, já foram descritas mudanças significativas no comportamento canino, como: retração social, período de sono aumentado, agitação, aumento de comportamento de busca de atenção, perda de apetite, irritabilidade podendo chegar a uma agressão de fato, micção e defecação em locais antes não utilizados, ansiedade, medo e destruição.

Evidentemente os cães, independente de raça ou porte, possuem personalidades e uma formação social inerente ao ambiente onde vivem. Portanto terão respostas diferentes quanto à perda de um membro no seu círculo social. Por exemplo, se o cão vivia só com um tutor e mais ninguém, a mudança quando seu parceiro morre é muito brusca. Pode ser que esse animal sinta isso de uma forma mais significativa, do que outro cão que seja inserido numa família humana mais numerosa, ou até mesmo com um outro companheiro canino.

ROTINA ABALADA

A rotina tem uma função bastante significativa quando a outra parte do relacionamento vem a falecer, já que ela será quebrada bruscamente. Se o cão dormia sempre encostado com o outro, ou até mesmo na cama com seu tutor, sentirá a perda de uma forma significativa. Se brincavam bastante juntos no dia a dia a perda também será mais sentida. Parecido com a gente, não? Temos o mais famoso caso no Japão, que inclusive virou um filme, onde o cão Hachi-ko, da raça Akita, acompanhava seu tutor rotineiramente, o professor Ueno, à estação de trem de Shibuya toda manhã e então retornava e esperava por ele toda tarde. Um dia o professor não voltou devido a uma morte fulminante, e Hachi-ko ficou durante os 10 anos restantes de sua vida fazendo a mesma rotina de esperar seu tutor na estação. Nesse caso, literaturas especializadas evidenciam que talvez se o cão visse seu tutor morto não ficaria nessa eterna expectativa. Neste caso em especial, podemos até fazer uma comparação conosco. Quantas mães esperançosas procuram seus filhos desaparecidos durantes décadas?

Influenciamos o comportamento dos cães constantemente, e certamente quando os tutores sofrem com a perda de um companheiro canino, ou humano, eles sentem e podem adquirir comportamentos diferentes adaptados ao luto dos tutores.

Felizmente com base nos resultados do estudo ASPCA (The American Society for the Prevention of Cruelty to Animals), a maioria dos cães voltam ao normal após cerca de duas semanas, mas alguns cães podem levar até seis meses para se recuperarem totalmente. Quando a dor da perda começa a diminuir, geralmente, os comportamentos relacionados a ela decaem naturalmente.

Tutores devem ficar atentos aos comportamentos de busca atenção, já que o cão provavelmente irá desenvolver comportamentos diferentes devido a perda, e se for reforçado através de estímulos positivos esse comportamento pode se perpetuar e se tornar um problema para o lar. Por exemplo, um cão que desenvolveu nesse período vocalizações exageradas, e os tutores interpretarem que estão tristes e ficarem ao lado fazendo carinho no animal com intuito de “consolá-lo”, possivelmente mesmo após a fase de luto esse cãozinho irá vocalizar para ser acarinhado.

Para que essa fase não seja tão dolorosa, você levar o cão para passear mais vezes principalmente em locais que ele goste muito. Passeios aprofundam o vínculo entre o tutor e o cão, e tornando a vida do animal mais interessante. Ensinar pequenos truques usando treinamento positivo, criações de brincadeiras juntos, podem ser outra opção de enriquecer a rotina diária. Enriquecimento ambiental com brinquedos próprios para o fim, como os liberadores de petiscos, é uma excelente opção que também irá enriquecer o dia a dia do animal.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Paulo! Gostei muito! :)

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  2. Este é um tema muito interessante, que todos os donos de cães têm curiosidade. Bom post!

    Saudações caninas,

    André Moreiras
    Passos Caninos

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